07 maio 2007

A ética de John Stuart Mill

1. O princípio da maior felicidade
O utilitarismo é um tipo de ética consequencialista. O seu princípio básico, conhecido como o Princípio da Utilidade ou da Maior Felicidade, é o seguinte: a acção moralmente certa é aquela que maximiza a felicidade para o maior número. E deve fazê-lo de uma forma imparcial: a tua felicidade não conta mais do que a felicidade de qualquer outra pessoa. Saber por quem se distribui a felicidade é indiferente. O que realmente conta e não é indiferente é saber se uma determinada acção maximiza a felicidade. Saber se a avaliação moral de uma acção a partir do Princípio da Maior Felicidade depende das consequências que de facto tem ou das consequências esperadas é um aspecto da ética de Mill que permanece em aberto.
Apesar de haver pessoas que não o aceitam, o princípio básico dos utilitaristas é hoje central nas disputas morais. Mas há cento e cinquenta anos foi uma ideia revolucionária. Pela primeira vez, filósofos defendiam que a moralidade não dependia de Deus nem de regras abstractas. A felicidade do maior número é tudo o que se deve perseguir com a ajuda da experiência. Isto explica que os utilitaristas tenham sido reformadores sociais empenhados em mudanças como a abolição da escravatura, a igualdade entre homens e mulheres e o direito de voto para todos, independentemente de deterem ou não propriedade.

2. O que é a felicidade?
Mill tem uma perspectiva hedonista de felicidade. Segundo esta perspectiva, a felicidade consiste no prazer e na ausência de dor. O prazer pode ser mais ou menos intenso e mais ou menos duradouro. Mas a novidade de Mill está em dizer que há prazeres superiores e inferiores, o que significa que há prazeres intrinsecamente melhores do que outros. Mas o que quer isto dizer? Simplesmente que há prazeres que têm mais valor do que outros devido à sua natureza. Mill defende que os tipos de prazer que têm mais valor são os prazeres do pensamento, sentimento e imaginação; tais prazeres resultam da experiência de apreciar a beleza, a verdade, o amor, a liberdade, o conhecimento, a criação artística. Qualquer prazer destes terá mais valor e fará as pessoas mais felizes do que a maior quantidade imaginável de prazeres inferiores. Quais são os prazeres inferiores? Os prazeres ligados às necessidades físicas, como beber, comer e sexo.
Diz-se que o hedonismo de Mill é sofisticado por ter em conta a qualidade dos prazeres na promoção da felicidade para o maior número; a consequência disso é deixar em segundo plano a ideia de que o prazer é algo que tem uma quantidade que se pode medir meramente em termos de duração e intensidade. É a qualidade do prazer que é relevante e decisiva. Daí Mill dizer que é preferível ser um "Sócrates insatisfeito a um tolo satisfeito". Sócrates é capaz de prazeres elevados e prazeres baixos e escolheu os primeiros; o tolo só é capaz de prazeres baixos e está limitado a uma vida sem qualidade. Mas será que é realmente preferível ser um "Sócrates insatisfeito"? Mill afirma que, se fizéssemos a pergunta às pessoas com experiência destes dois tipos de prazer, elas responderiam que os prazeres elevados produzem mais felicidade que os prazeres baixos. Todas fariam a escolha de Sócrates.

3. Algumas objecções
As objecções que irás considerar têm uma estratégia em comum. A ideia é partir dos juízos que fazes acerca de casos particulares. Se esses juízos afirmam que uma acção é errada e a ética de Mill implica que é certa, terás indícios para defender que a teoria é falsa.
A objecção da máquina de experiências
Esta objecção foi formulada pelo filósofo Robert Nozick. Imagina que tens à tua disposição um computador capaz de te fornecer todas as experiências que mais desejas. Passarás a ser uma pessoa absolutamente feliz e não alguém que ora sente alegria e entusiasmo pela vida, ora tristeza e tédio. A tua felicidade não terá interrupções. Mas tens de escolher entre ligar-te à máquina de experiências ou prosseguir a vida que já tens. Lembra-te que, se o fizeres, poderás viver a ilusão de seres, por exemplo, um ídolo pop, um revolucionário que transforma o mundo num lugar perfeito ou até um jogador de futebol milionário, informado e com gosto. Qual é a tua escolha?
Se o utilitarismo de Mill for verdadeiro, a escolha certa é estabelecer a ligação à máquina. Mas muito provavelmente não vais ser capaz de esquecer o valor que tem o facto de viveres uma vida real e dar o salto para a doce ilusão. Parece claro que fazer certas coisas tem valor para além do sentimento de felicidade que produz em ti. Não queres perder a autonomia e a realidade de fazer as coisas. Isto é eticamente crucial e está acima da felicidade.
A objecção da justiça
Um crime horrível ocorreu numa cidade. O chefe da polícia descobriu que o assassino está morto. Todavia, ninguém acreditará nele caso apresente os indícios conclusivos que tem em sua posse. O estado de pânico na cidade é incontrolável. Rapidamente um suspeito terá de ser julgado e condenado. Se tal não acontecer, revoltas semearão o caos e a violência. Haverá certamente mortos e feridos.
Estava o angustiado chefe da polícia a pensar no caso e eis que entra no seu gabinete um desconhecido que lhe diz vaguear pela cidade e não ter relações ou amizades que o prendam ao mundo. O chefe da polícia tem de repente a solução para o caso. Por que não prender o vagabundo solitário e manipular as provas de maneira a que ele seja julgado, condenado e executado, uma vez que a lei estabelece a pena de morte para casos do género? Ninguém saberá o que de facto se passou. Se for esta a opção, morrerá uma pessoa mas a vida e o bem-estar de outras serão preservados. A consequência será claramente mais felicidade para o maior número. Ora, se o utilitarismo for verdadeiro, esta é a opção certa. Mas será esta a opção justa? Não haverá aqui um conflito muito sério entre o padrão utilitarista e o valor da justiça? Se para ti o valor da justiça é mais importante que o Princípio da Maior Felicidade, verás nesta história uma razão para rejeitar o utilitarismo de Mill.
A objecção da integridade
Esta objecção foi formulada por Bernard Williams, um importante filósofo moral. As histórias em que se baseia poderiam passar-se contigo. Os dilemas que elas apresentam são genuínos e não deixam pessoa alguma indiferente. George fez um doutoramento em química mas não tem emprego. A sua saúde frágil limita as opções de trabalho. Tem dois filhos. É o trabalho da sua mulher que garante a subsistência de uma família que vive dificuldades e tensões. Os filhos ressentem-se de tudo isto e tomar conta deles tornou-se um problema. Mas um dia um químico mais velho propõe-lhe um emprego num laboratório que faz investigação em guerra química e biológica. George é contra este tipo de guerra. Já a sua mulher nada vê de incorrecto na investigação em questão. Quer aceite quer não, a investigação prosseguirá. George não é realmente necessário.
Os acasos de uma expedição botânica atiram Jim para o centro de uma aldeia sul-americana. De repente, vê à sua frente uma série de homens atados e alinhados contra uma parede. Estão prestes a ser fuzilados. Mas tudo dependerá de Jim. Por cortesia, o capitão que comanda as operações concede a Jim o privilégio de matar um dos índios. Se o fizer os outros serão libertados. Se recusar a proposta, todos os índios morrerão.
Segundo a teoria moral de Mill, George deve aceitar o emprego e Jim deve matar o índio. Não se trata apenas de dizer que nada há de errado nisso, mas de afirmar que essas são as opções correctas. E óbvias. Mas será que são realmente correctas e óbvias? Serão as considerações utilitaristas as únicas relevantes para tratar destes casos? Se a tua resposta for não, é porque te sentes especialmente responsável não só pelo que és, mas também pelo que deves ser, pelo tipo de pessoa que deves ser. E nesse caso é a tua integridade que está em jogo. Se admitires que uma teoria ética não pode limitar-se a ponderar consequências e terá de incluir considerações sobre o tipo de pessoa que devemos ser, o utilitarismo de Mill é claramente insatisfatório.

Conclusão
Estas e outras objecções obrigaram o utilitarismo a modificações significativas. Depois de século e meio de debate, o utilitarismo é hoje uma teoria mais sofisticada. Apesar de recusado por muitos, continua a ser influente e indispensável nas disputas morais. Também tu terás de tomar posição e avaliar os méritos e problemas da teoria.
Considera de seguida alguns dos méritos apontados à teoria.
Simplicidade
Curiosamente, alguns filósofos vêem no utilitarismo a simplicidade indispensável para tratar de casos complexos. Se pensares em problemas como o da Palestina, verás que a sua discussão política apela a conceitos morais como os de "dever", "direitos", "obrigações" e "culpa" e faz juízos morais sobre o carácter das pessoas, o que é sempre delicado. Ao ignorar as complicações que daqui resultam, o utilitarismo pode olhar para o futuro e perguntar simplesmente: Que opções são realizáveis? Para cada uma das opções realizáveis, quantas pessoas beneficiarão e quantas sofrerão? E quanto? Não é que as respostas a estas questões sejam fáceis. Todavia, é inegável que as questões são simples e claras. (…)
Pesar o prazer e a dor
Como o utilitarismo tem de pesar as boas e as más consequências umas em relação às outras e essa avaliação pode depender de detalhes subtis, poucas são as regras gerais que ele aprova. Regras como "Não mates", "Não mintas" ou "Cumpre promessas" até podem aplicar-se em muitos casos, mas por vezes são maneiras de fugir às questões e de evitar pensar seriamente sobre elas. Quebrar promessas ou matar ocasionalmente pode parecer geralmente repulsivo, mas há alguns casos em que parece intuitivamente correcto quebrar promessas ou matar.
O utilitarista defende que a única coisa valiosa é estados mentais de felicidade, e que a acção correcta é aquela que faz pender a balança do prazer e da dor para o lado do prazer. Desse modo, não há lugar para conflitos de valor no seu interior e tomar decisões morais parece mais simples.




Faustino Vaz
http://criticanarede.com

5 comentários:

oi disse...

ola tudo bem olha eu tou a fazer um trabalho escolar sobre a moral de stuart mill e como vi o texto que escreveste eu queria saber se me podias enviar algo sobre para duartenuno45@hotmail.com
um abraço e fica bem

Anónimo disse...

Olá
Estou a fazer um trabalho escolar sobre o filne 2 Eu Confesso " e preciso de avaliar a posição do Padre Logan em função do modelo ético de Stuart Mill, se me poderes ajudar, muito agradeço.
cecilia.lira11@hotmail.com

correia disse...

Ola espero que esteja tudo bem.
Estou a fazer um trabalho sobre o utilitarismo de stuart mill se me pudesses enviar uma conclusao acerca do utilitarismo agradecia.
correia.06-@hotmail.com
Um abraco
Muito obrigado.

anderson! disse...

tem alguem de minas online agora aki né?

Janaina disse...

Oie..
Eu estou fazendo um trabalho escolar(assim como o "duarte") sobre moral e etica de John S.
e tambem queria saber se você poderia me da uma ajudinha...?!''"
qualqur coisa envie uma mensagem para;;;
janaina_patinhagostosinha_4500@hotmail.com..
desde já agradeço

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