Quando o vimos pela primeira vez, a 13 de Abril de 1986, Jonathan L. era um homem alto e muito magro, que evidenciava uma recente perda de peso. Exprimia-se com facilidade, de uma forma inteligente, analítica e viva, mas num tom de voz baixo e sem vida. Raramente sorria; estava manifestamente deprimido. Captámos um sentimento de mágoa interior, de medo e tensão, refreado com dificuldade por detrás do seu discurso civilizado.
Contou-nos que o acidente tinha sido acompanhado por uma amnésia passageira. Claro que ele, naquela altura - ao fim da tarde de 2 de Janeiro -, fora capaz de relatar devidamente à polícia o que se tinha passado. Seguira depois para o seu estúdio, para se encontrar com alguém que estava interessado no seu trabalho, mas abreviou este encontro devido a uma crescente e intensa dor de cabeça. Quando chegou a casa, queixou-se à mulher de dores de cabeça e de se sentir confuso, mas não mencionou o acidente. Caiu então num longo e quase letárgico sono. Só na manhã seguinte, quando viu o radiador do seu carro amolgado, é que a mulher lhe perguntou o que se tinha passado. Ao não obter uma resposta clara ("Não sei. Talvez alguém lhe tenha batido"), ela percebeu que se devia ter passado algo de grave.
Jonathan I. foi em seguida para o estúdio e encontrou, em cima da secretária, uma cópia do relatório feito pela polícia sobre o acidente. (...) Mas, ao pegar nele, não conseguiu ler nada. Via caracteres de diferentes tamanhos e formas, todos nitidamente, mas parecia-lhe "grego" ou "hebraico". (...) (Esta alexia, ou incapacidade de ler, durou cinco dias, mas depois parece ter desaparecido.)
Apercebendo-se de que devia ter sofrido um traumatismo, ou qualquer espécie de lesão cerebral provocada pelo acidente, Jonathan I. telefonou ao médico, que conseguiu que ele fosse visto e fizesse exames num hospital local. Embora, como nos dizia na sua primeira carta, tivesse sido detectada nesta altura a dificuldade em distinguir as cores, juntamente com a enorme alexia, ele só teve consciência da alteração das cores no dia seguinte.
Nesse dia, decidiu ir de novo trabalhar. Parecia-lhe estar a conduzir através de nevoeiro, (...) tudo parecia enevoado, descorado, acinzentado, indistinto. O desnorteamento e medo transformaram-se então num sentimento de horror. Já perto do estúdio, a polícia mandou-o parar: disseram-lhe que tinha passado dois sinais vermelhos. Se tinha reparado nisso? Não, respondeu ele, não se tinha sequer apercebido de ter passado por nenhum semáforo. Mandaram-no sair do carro. Após verificarem que estava sóbrio, mas aparentemente baralhado e doente, "multaram-no e aconselharam-no a procurar um médico.
Jonathan I. chegou ao estúdio aliviado, esperando que a terrível névoa tivesse já passado, que tudo estivesse de novo nítido. Mas, assim que entrou, achou todo o seu estúdio - cujas paredes estavam decoradas com os seus quadros coloridos - completamente cinzento e destituído de cor. (...)
Ao horror juntou-se o desespero: nem sequer a sua arte tinha significado, e ele já não conseguia imaginar como continuar.
As semanas que se seguiram foram extremamente difíceis. Jonathan I. mal conseguia suportar a mudança no aspecto das pessoas ("eram o estátuas cinzentas animadas"), tal como não conseguia suportar a sua própria aparência quando se via ao espelho: evitava as relações sociais, e as relações sexuais tornaram-se impossíveis. Via a pele das pessoas, a pele da mulher, a sua própria pele, de um cinzento horrendo: a "cor-de-pele" era agora, para ele, "cor-de-rato". (...)
Achava os alimentos repugnantes, com aquele aspecto acinzentado e morto, e tinha que fechar os olhos para conseguir comer. Mas isso não ajudava muito, porque a sua representação mental de um tomate era tão negra como a sua aparência. (...)
Assim, incapaz de rectificar mesmo a imagem interior, a ideia, de diversos alimentos, Jonathan foi-se virando progressivamente para alimentos brancos e pretos - azeitonas pretas com arroz branco, café preto e iogurte. Estes, pelo menos, tinham um aspecto relativamente normal, enquanto a maior parte dos alimentos tinha agora um aspecto terrivelmente anormal.
Deparava-se com dificuldades e angústias de praticamente todos os géneros na sua vida diária (...). A mulher tinha que lhe escolher a roupa, e esta dependência era-lhe difícil de suportar; mais tarde passou a ter tudo classificado nas gavetas e no armário - peúgas cinzentas aqui, amarelas ali, gravatas identificadas, casacos e fatos devidamente marcados para evitar incongruências evidentes e confusões. À mesa tiveram que adoptar práticas e posições fixas e rituais, sem o que ele poderia ser levado a confundir mostarda com maionese, ou "ketchup" com compota. (...) Jonathan I. já não conseguia ir a museus ou a galerias, nem ver reproduções a cores dos seus quadros favoritos. (...)
Quando pedimos a Jonathan para examinar e pintar uma cópia de um espectro colorido, apenas conseguiu ver o preto e o branco e várias sombras de cinzento, e pintou o que via. Intrigantemente, a sua percepção do espectro não se assemelhava em nada à das pessoas com cegueira das cores provocada por problemas de retina. (...)
Foi esta a história que obtivemos de Jonathan I. - a história do colapso abrupto e total da sua visão da cor, e as tentativas que fez para viver num mundo a preto e branco; uma história incompatível com qualquer problema inato ou degenerativo dos olhos, mas indicativo de um súbito desarranjo nas partes do cérebro necessárias à representação interna - o ver - das cores. (...)
O interesse científico de todas estas perturbações cerebrais perceptivas adquiridas reside no facto de os seus distúrbios nos poderem mostrar como é que o mundo conceptual é construído. Doentes como Jonathan mostram-nos que a cor não é um dado, antes é percepcionada graças a um processo cerebral específico e extraordinariamente complexo. O mesmo se aplica às percepções do movimento, da profundidade e da forma: todas elas nos parecem fazer parte da ordem natural das coisas até vermos pacientes que as perderam, doentes que sofrem de cegueira do movimento, de cegueira da profundidade ou de cegueira da forma (agnosia visual), provocadas por lesões cerebrais altamente específicas.
Oliver Sacks e Robert Wassennan, in Jornal Público, de 27 de Setembro de 1990
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