O conhecimento a posteriori e a priori são modalidades epistémicas. Uma proposição é conhecível a priori se, e só se, pode ser conhecida sem o concurso da experiência empírica. Assim, 2 + 2 = 4 é uma proposição conhecível a priori porque posso conhecê-la recorrendo unicamente ao pensamento. Mas para saber que a água é H2O tenho de me socorrer da experiência empírica — não posso fazê-lo recorrendo unicamente ao pensamento. Dada a definição de analiticidade [uma frase é uma verdade analítica se, e só se, o significado das palavras que nela ocorrem e a sua sintaxe for suficiente para saber que é verdadeira], é fácil perceber que todas as frases analíticas exprimem proposições conhecíveis a priori. Pois se para saber o valor de verdade de uma frase analítica basta reflectir sobre o significado das palavras e a sintaxe da frase, isso significa que não é necessário recorrer à experiência empírica para identificar como verdadeira a proposição expressa.
Todo o conhecimento proposicional é uma relação entre um agente cognitivo e uma proposição que é por ele conhecida. Logo, também o conhecimento a priori é uma relação entre um agente cognitivo e uma proposição que é por ele conhecida. Assim, um modo mais rigoroso de definir conhecimento a priori é o seguinte:
Uma dada proposição é conhecível a priori por um dado agente cognitivo se, e só se, esse agente pode conhecer essa proposição sem recorrer à experiência empírica.
Posto isto, considere-se as seguintes duas frases:
1) Se Sócrates era um ser humano, era um ser humano.
2) Sócrates era mais pesado do que Platão.
Os recursos envolvidos para poder conhecer o valor de verdade destas frases diferem substancialmente. No primeiro caso, basta raciocinar; no segundo, é preciso recolher informações históricas sobre Sócrates e Platão. No primeiro caso, o agente cognitivo limita-se a pensar; no segundo, é preciso consultar documentos, testemunhos e estudos.
No entanto, para que alguém saiba que a primeira frase é verdadeira tem de compreender as palavras que nela ocorrem. Se um polícia chinês que nada saiba de português for confrontado com uma inscrição desta frase num bloco de notas de um presumível assassino, terá de consultar dicionários e gramáticas, ou falar com pessoas que saibam português. Só depois desta actividade empírica poderá o polícia chinês perceber que a frase é verdadeira. Todavia, isto não impede a frase 1, que exprime uma verdade lógica elementar, de ser conhecível a priori.
O conhecimento do significado das palavras, apesar de claramente empírico, não torna a frase 1 unicamente conhecível a posteriori. Continua a existir uma diferença crucial entre o tipo de experiência necessário para determinar o valor de verdade das frases 1 e 2. O conhecimento necessário para determinar o valor de verdade da frase 1 é meramente linguístico; o conhecimento necessário para determinar o valor de verdade da frase 2 é extralinguístico.
A experiência empírica necessária para compreender o significado das palavras não conta. Esta decisão não é arbitrária. Para determinar o valor de verdade de qualquer frase, seja ela qual for, é necessário ter um conhecimento, que terá de ser empírico, do significado das palavras envolvidas. Logo, se não aceitássemos a nossa decisão, a categoria do conhecimento a priori ficaria vazia. No entanto, é óbvio que há uma diferença substancial entre saber que se Sócrates era mortal, era mortal e saber que Sócrates era mais pesado do que Platão. No primeiro caso não temos de possuir qualquer informação factual além da linguística; no segundo, a informação linguística, só por si, não é suficiente para determinar o valor de verdade da frase. Logo, há uma distinção que deve ser mantida e que corresponde à divisão tradicional entre conhecimento a priori e conhecimento a posteriori.
Há uma excepção adicional. As verdades da aritmética e da lógica são, tipicamente, susceptíveis de ser conhecidas a priori. No entanto, podemos ser incapazes de determinar por puro raciocínio que uma fórmula como {(p v q) Λ [(p ® r) Λ (q ® r)]} ® r é logicamente verdadeira. Para determinar o valor de verdade desta fórmula, podemos ter de fazer uma tabela de verdade. Todavia, o conhecimento assim obtido é ainda a priori. Fazer uma tabela de verdade é uma mera extensão da capacidade de cálculo; nada diz sobre o mundo para além da tabela de verdade. Apesar de podermos ter de recorrer a papel e lápis para realizar alguns cálculos complexos, como equações ou fórmulas lógicas complexas, o resultado é conhecido a priori.
A teoria tradicional do a priori
Na tradição filosófica há aparentemente a ideia de que o que é conhecido a priori por um agente, não poderia ter sido conhecido a posteriori por esse agente. Kripke argumenta que esta ideia está errada. Os exemplos são muito simples: apesar de eu poder saber a priori que a soma de 2345 com 12445 é 14790 — porque posso fazer um cálculo mental —, posso também conhecer a posteriori este resultado, através de uma calculadora, ou perguntando a alguém que tenha feito o cálculo.
(…) Como vimos, o conhecimento é uma relação entre agentes cognitivos e proposições; logo, as proposições não são primitivamente a priori ou a posteriori — o que elas são é susceptíveis de serem conhecidas a priori ou a posteriori. A distinção pode parecer menor, mas é crucial para evitar confusões. Uma mesma proposição pode ser conhecida, pelo mesmo agente cognitivo ou por diferentes agentes cognitivos, de maneiras diferentes. Por exemplo, na escola, o meu professor pode ensinar-me o teorema de Pitágoras. O teorema foi por mim conhecido a posteriori. Mais tarde, depois de aprender mais geometria, posso demonstrar por mim mesmo o teorema; e quando faço isso passo a ter um conhecimento a priori do teorema. Mas há casos em que isto não pode acontecer; na escola aprendi também que Sócrates foi condenado à morte. Mas, por mais que pense, nunca poderei estabelecer a priori que isso é verdade.
(…)
Os filósofos tradicionais não mostraram qualquer interesse no facto de uma proposição conhecível a priori ser também conhecível a posteriori porque talvez estivesse subentendido que estavam a falar unicamente de «conhecimento primitivo». Neste sentido, o teorema de Pitágoras, por exemplo, é conhecível a posteriori, mas não é primitivamente conhecível a posteriori; no princípio da cadeia causal do conhecimento, alguém teve de conhecer a priori o teorema de Pitágoras para depois o poder transmitir a posteriori a outra pessoa. Podemos assim dizer que apesar de as verdades conhecíveis a priori serem derivadamente conhecíveis a posteriori, nenhuma verdade conhecível a priori é primitivamente conhecível a posteriori.
Desidério Murcho
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8 comentários:
INTERESSANTEE!!! FOI-ME MUITOO UTÍL!!
Isto serve apenas e SÓ apenas, para as cabulas!
Ou seja, util! mas ao mesmo tempo é uma treta!
Porque filosofia é uma bosta! Pelo menos com a minha stora que é maluca
foi muito ultil
especificou tudo q queria saber???
foi muito ultil
especificou tudo q queria saber???
valeu!!!!!
VALEU!!!!
pra mim não serviu é de nada....coloquem um texto mais objetivo!
Muito interessante!!Foi-me muito útil,me ajudou muito!!Obrigada!!
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