10 fevereiro 2009

O aquecimento global e os incêndios na Austrália


Miguel Cruz trabalha no Commonwealth Scientific and Industrial Research Center (CSIRO), organismo estatal australiano que se dedica à investigação e estudo dos recursos naturais.

Como se deu esta frente brutal de incêndios?
Verificaram-se condições extremas de clima que nunca tinham ocorrido, e que tornam impossível parar os fogos. Em 1939 e 1983, ouve condições similares, mas desta vez foram muito piores. E a única coisa que se pode fazer é esperar que desapareçam. No sábado estavam 46 graus em Melbourne, numa vaga de temperaturas altíssimas que se arrastava há mais de uma semana, e uma taxa de humidade muito baixa, de cinco por cento, e ainda ventos muito fortes, vindos do Centro do país. São extremamente secos e quando encontram uma frente pelo caminho, invertem rumo em 90 graus. Qualquer flanco de incêndio, normalmente alongado, transforma-se numa cabeça muito maior, incontrolável.

Por que fez tantos mortos?
Na Austrália, as pessoas estão preparadas para enfrentar fogos. É um fenómeno que faz parte da vida neste país, é frequente haver casas consumidas pelos incêndios. Ainda na semana passada arderam 30 no estado de Vitória - o que é, para os padrões australianos, um número aceitável, faz parte da normalidade. Por isso, todos estão conscientes das medidas de segurança a seguir: ou os locais são evacuados atempadamente, antes das frentes de incêndio chegarem perto das casas, ou as pessoas ficam para combater os fogos. Mas este fim-de-semana ninguém estava à espera daquela proporção, e as pessoas ficaram nas suas casas, sem percepção real do que iam enfrentar; já tarde de mais, surpreendidas pela velocidade e dimensão dos fogos, partiram em pânico e muitas morreram presas nos engarrafamentos, perdidas no fumo.

Pode dizer-se que há uma relação directa entre estes fogos e o aquecimento global?
É consensual que há uma nova realidade climática na Austrália, apesar de os fogos florestais serem um fenómeno natural. As previsões, de resto, são de que as condições climáticas extremas vão agravar-se, apesar de haver muitos cépticos em relação ao impacto das alterações climáticas. A Austrália tem a taxa de emissão de dióxido de carbono per capita mais elevada do mundo [11 toneladas em 2008, por classificação do think tank Center for Global Development], mas, com 21 milhões de habitantes, é responsável apenas por 1,5 por cento das emissões globais de gases causadores do efeito de estufa. Há alguns movimentos políticos, como os Verdes, e ambientalistas que pressionam o Governo australiano, e é de esperar que essa pressão se acentue. Mas não se está a fazer aproveitamento político da tragédia.

Jornal Público, 10 Fevereiro 2009
D.F.

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