31 janeiro 2011

Crença e Conhecimento

O leitor tem várias crenças. Mas quais das suas crenças é conhecimento, se é que alguma o é?

O que é o conhecimento?

O conhecimento não é mera crença. Se o leitor acreditar e afirmar que sabe algo e alguém acreditar e afirmar que sabe o oposto, então pelo menos um de vós tem de estar enganado. Quando duas pessoas acreditam em coisas contraditórias não podem ambas saber aquilo que afirmam saber. Pois uma das duas crenças tem de ser falsa. Acreditar meramente em algo, não importa quão ardentemente, não faz disso uma verdade. Para que se saiba algo, não temos somente de acreditar nisso; isso também tem de ser verdade. Mas será isto tudo o que é requerido? É o conhecimento mera crença verdadeira?

Suponha-se que alguém aposta regularmente em cavalos. Ele tenta sempre apostar em vencedores, mas raramente o faz. Contudo, está tão cheio de ilusória autoconfiança que sempre que faz uma aposta acredita ardentemente que o seu cavalo vai ganhar. Nas raras ocasiões em que o cavalo ganha, saberia o apostador que o cavalo dele iria ganhar? Claro que não. Ele poderia sentir-se completamente confiante, mas isso é outra história. Para se saber algo, não se pode apenas adivinhá-lo, mesmo que se acerte, e não o sabemos por maior que seja a confiança que depositamos no nosso palpite. Assim, que mais é necessário para o conhecimento, além da crença verdadeira?

Não será ter provas a resposta? Isto é, para o leitor ter conhecimento não precisará de estar conectado com a verdade daquilo em que acredita através das provas ou razões que tem para acreditar nisso? E não terão essas razões ou provas de ser adequadas para justificar a sua crença? O que torna implausível dizer que o apostador tem conhecimento mesmo que aposte num cavalo vencedor é que ele não tem boas razões ou provas para pensar que o cavalo em que ele aposta irá ganhar. Em vez disso, o apostador ganha por sorte.

Mas o que é que são provas? Quando são as provas adequadas? Estas são perguntas difíceis. Para não nos desviarmos do nosso problema, pressuponha-se para efeitos de discussão que sabemos o que faz de um pedaço de informação uma prova a favor de uma certa crença. Pressuponha-se também que sabemos qual a quantidade de provas necessárias para sustentar adequadamente uma crença. E ao pressupor que sabemos esta última coisa, não elevemos demasiado as nossas exigências. Em vez de pressupor que para as provas serem adequados para o conhecimento terão de estabelecer conclusivamente a verdade da crença que suportam, pressuponha-se que as provas são adequadas quando tornam, nas circunstâncias em que existem, a verdade de uma crença mais provável do que o seu contrário. Se estes pressupostos estiverem errados, podemos sempre reformulá-los mais tarde. Aceitando-os por agora irá simplificar as questões e ajudar-nos a manter-nos na direcção certa.

O conhecimento pode ser mais (ou menos) do que mera crença suportada por provas adequadas. Mas se o conhecimento for pelo menos isso, então uma das coisas que devemos perguntar às nossas autoridades é que provas têm elas para as coisas que afirmam saber. E uma das coisas que temos de perguntar a nós próprios, quando aceitamos certas pessoas como autoridades, é que provas mostram que essas pessoas são competentes e fidedignas.

Daniel Kolak e Raymond Martin
Tradução de Célia Teixeira
Sabedoria sem Respostas: Uma Breve Introdução à Filosofia, Temas e Debates, Lisboa, 2004, pp. 51-52.

24 janeiro 2011

O Caso do Pintor que não via cores!

Quando o vimos pela pri­meira vez, a 13 de Abril de 1986, Jonathan L. era um homem alto e muito magro, que evidenciava uma recente perda de peso. Exprimia-se com facilidade, de uma forma inteligente, analítica e viva, mas num tom de voz baixo e sem vida. Raramente sorria; estava manifestamente deprimido. Captá­mos um sentimento de mágoa interior, de medo e tensão, refreado com dificuldade por detrás do seu discurso civilizado. Contou-nos que o acidente tinha sido acom­panhado por uma amnésia passageira. Claro que ele, naquela altura - ao fim da tarde de 2 de Janeiro -, fora capaz de rela­tar devidamente à polícia o que se tinha passado. Seguira depois para o seu estúdio, para se encontrar com alguém que estava interessado no seu trabalho, mas abreviou este encontro devido a uma crescente e intensa dor de cabeça. Quando chegou a casa, queixou-se à mulher de dores de cabeça e de se sentir confuso, mas não mencionou o acidente. Caiu então num longo e quase letárgico sono. Só na manhã seguinte, quando viu o radiador do seu carro amolgado, é que a mulher lhe per­guntou o que se tinha passado. Ao não obter uma resposta clara ("Não sei. Talvez alguém lhe tenha batido"), ela percebeu que se devia ter passado algo de grave. Jonathan I. foi em seguida para o estúdio e encontrou, em cima da secretária, uma cópia do relatório feito pela polícia sobre o acidente. (...) Mas, ao pegar nele, não conseguiu ler nada. Via caracteres de diferentes tama­nhos e formas, todos nitidamente, mas parecia-lhe "grego" ou "hebraico". (...) (Esta alexia, ou incapacidade de ler, durou cinco dias, mas depois parece ter desaparecido.) Apercebendo-se de que devia ter sofrido um traumatismo, ou qualquer espécie de lesão cerebral provocada pelo acidente, Jonathan I. telefonou ao médico, que conseguiu que ele fosse visto e fizesse exames num hospital local. Embora, como nos dizia na sua pri­meira carta, tivesse sido detectada nesta altura a dificuldade em distinguir as cores, juntamente com a enorme alexia, ele só teve consciência da alteração das cores no dia seguinte. Nesse dia, decidiu ir de novo trabalhar. Parecia-lhe estar a conduzir através de nevo­eiro, (...) tudo parecia enevoado, descorado, acinzentado, indistinto. O desnorteamento e medo transformaram-se então num senti­mento de horror. Já perto do estúdio, a polí­cia mandou-o parar: disseram-lhe que tinha passado dois sinais vermelhos. Se tinha reparado nisso? Não, respondeu ele, não se tinha sequer apercebido de ter passado por nenhum semáforo. Mandaram-no sair do carro. Após verificarem que estava sóbrio, mas aparentemente baralhado e doente, "multaram-no e aconselharam-no a procurar um médico. Jonathan I. chegou ao estúdio aliviado, esperando que a terrível névoa tivesse já passado, que tudo estivesse de novo nítido. Mas, assim que entrou, achou todo o seu estúdio - cujas paredes estavam decoradas com os seus quadros coloridos - completa­mente cinzento e destituído de cor. (...) Ao horror juntou-se o desespero: nem sequer a sua arte tinha significado, e ele já não conseguia imaginar como continuar. As semanas que se seguiram foram extre­mamente difíceis. Jonathan I. mal conseguia suportar a mudança no aspecto das pessoas ("eram o estátuas cinzentas animadas"), tal como não conseguia suportar a sua própria ­aparência quando se via ao espelho: evitava as relações sociais, e as relações sexuais tornaram-se impossíveis. Via a pele das pessoas, a pele da mulher, a sua própria pele, de um cinzento horrendo: a "cor-de­-pele" era agora, para ele, "cor-de-rato". (...) Achava os alimentos repugnantes, com aque­le aspecto acinzentado e morto, e tinha que fe­char os olhos para con­seguir comer. Mas isso não ajudava muito, porque a sua representação mental de um tomate era tão negra como a sua aparência. (...) Assim, incapaz de rectificar mesmo a ima­gem interior, a ideia, de diversos alimentos, Jonathan foi-se virando progressivamente para alimentos brancos e pretos - azeitonas pretas com arroz branco, café preto e iogurte. Estes, pelo menos, tinham um aspecto relativamente normal, enquanto a maior parte dos alimentos tinha agora um aspecto terrivelmente anormal. Deparava-se com dificuldades e angústias de praticamente todos os géneros na sua vida diária (...). A mulher tinha que lhe escolher a roupa, e esta dependência era­-lhe difícil de suportar; mais tarde passou a ter tudo classificado nas gavetas e no armário - peúgas cinzentas aqui, amarelas ali, gravatas identificadas, casacos e fatos devidamente marcados para evitar incon­gruências evidentes e confusões. À mesa tiveram que adoptar práticas e posições fixas e rituais, sem o que ele poderia ser levado a confundir mostarda com maio­nese, ou "ketchup" com compota. (...) Jonathan I. já não conseguia ir a museus ou a galerias, nem ver reproduções a cores dos seus quadros favoritos. (...) Quando pedimos a Jonathan para exami­nar e pintar uma cópia de um espectro colorido, apenas conseguiu ver o preto e o branco e várias sombras de cinzento, e pin­tou o que via. Intrigantemente, a sua per­cepção do espectro não se assemelhava em nada à das pessoas com cegueira das cores provocada por problemas de retina. (...) Foi esta a história que obtivemos de Jona­than I. - a história do colapso abrupto e total da sua visão da cor, e as tentativas que fez para viver num mundo a preto e branco; uma história incompatível com qualquer problema inato ou degenerativo dos olhos, mas indicativo de um súbito desarranjo nas partes do cérebro necessárias à representa­ção interna - o ver - das cores. (...) O interesse científico de todas estas per­turbações cerebrais perceptivas adquiri­das reside no facto de os seus distúrbios nos poderem mostrar como é que o mundo conceptual é construído. Doentes como Jonathan mostram-nos que a cor não é um dado, antes é percepcionada graças a um processo cerebral específico e extraordinariamente complexo. O mesmo se aplica às percepções do movimento, da profundidade e da forma: todas elas nos parecem fazer parte da ordem natural das coisas até vermos pacientes que as perderam, doentes que sofrem de cegueira do movimento, de cegueira da profundidade ou de cegueira da forma (agnosia visual), provocadas por lesões cerebrais altamente específicas.

Oliver Sacks e Robert Wassennan, in Público de 27 de Setembro de 1990

Que conclusões podemos tirar deste texto, relativamente ao conhecimento humano?

13 janeiro 2011

Home - mundo é a nossa casa!


Em 200 mil anos na Terra, a Humanidade tem perturbado o equilíbrio do planeta, estabelecido por quase 4 biliões de anos de evolução. O preço a pagar é alto, mas é tarde demais para ser pessimista: a Humanidade tem apenas 10 anos para inverter esta tendência e tornar-se consciente da extensão total da destruição da Terra e alterar os seus modelos de consumo. Yann Arthus-Bertrand, o realizador, traz-nos imagens aéreas únicas de mais de 50 países para partilhando esperanças e receios num filme que lança a primeira pedra do edifício que, todos juntos, teremos de reconstruir.

Deixa aqui o teu comentário sobre o filme visualizado na aula.

Programação das AULAS DE FILOSOFIA - RTP Madeira com o Prof. Rolando Almeida

Podes aceder às aulas de Filosofia da RTP Madeira, lecionadas pelo Prof. Rolando Almeida (na foto), acedendo aos links abaixo.  TELENSINO (R...