24 janeiro 2011

O Caso do Pintor que não via cores!

Quando o vimos pela pri­meira vez, a 13 de Abril de 1986, Jonathan L. era um homem alto e muito magro, que evidenciava uma recente perda de peso. Exprimia-se com facilidade, de uma forma inteligente, analítica e viva, mas num tom de voz baixo e sem vida. Raramente sorria; estava manifestamente deprimido. Captá­mos um sentimento de mágoa interior, de medo e tensão, refreado com dificuldade por detrás do seu discurso civilizado. Contou-nos que o acidente tinha sido acom­panhado por uma amnésia passageira. Claro que ele, naquela altura - ao fim da tarde de 2 de Janeiro -, fora capaz de rela­tar devidamente à polícia o que se tinha passado. Seguira depois para o seu estúdio, para se encontrar com alguém que estava interessado no seu trabalho, mas abreviou este encontro devido a uma crescente e intensa dor de cabeça. Quando chegou a casa, queixou-se à mulher de dores de cabeça e de se sentir confuso, mas não mencionou o acidente. Caiu então num longo e quase letárgico sono. Só na manhã seguinte, quando viu o radiador do seu carro amolgado, é que a mulher lhe per­guntou o que se tinha passado. Ao não obter uma resposta clara ("Não sei. Talvez alguém lhe tenha batido"), ela percebeu que se devia ter passado algo de grave. Jonathan I. foi em seguida para o estúdio e encontrou, em cima da secretária, uma cópia do relatório feito pela polícia sobre o acidente. (...) Mas, ao pegar nele, não conseguiu ler nada. Via caracteres de diferentes tama­nhos e formas, todos nitidamente, mas parecia-lhe "grego" ou "hebraico". (...) (Esta alexia, ou incapacidade de ler, durou cinco dias, mas depois parece ter desaparecido.) Apercebendo-se de que devia ter sofrido um traumatismo, ou qualquer espécie de lesão cerebral provocada pelo acidente, Jonathan I. telefonou ao médico, que conseguiu que ele fosse visto e fizesse exames num hospital local. Embora, como nos dizia na sua pri­meira carta, tivesse sido detectada nesta altura a dificuldade em distinguir as cores, juntamente com a enorme alexia, ele só teve consciência da alteração das cores no dia seguinte. Nesse dia, decidiu ir de novo trabalhar. Parecia-lhe estar a conduzir através de nevo­eiro, (...) tudo parecia enevoado, descorado, acinzentado, indistinto. O desnorteamento e medo transformaram-se então num senti­mento de horror. Já perto do estúdio, a polí­cia mandou-o parar: disseram-lhe que tinha passado dois sinais vermelhos. Se tinha reparado nisso? Não, respondeu ele, não se tinha sequer apercebido de ter passado por nenhum semáforo. Mandaram-no sair do carro. Após verificarem que estava sóbrio, mas aparentemente baralhado e doente, "multaram-no e aconselharam-no a procurar um médico. Jonathan I. chegou ao estúdio aliviado, esperando que a terrível névoa tivesse já passado, que tudo estivesse de novo nítido. Mas, assim que entrou, achou todo o seu estúdio - cujas paredes estavam decoradas com os seus quadros coloridos - completa­mente cinzento e destituído de cor. (...) Ao horror juntou-se o desespero: nem sequer a sua arte tinha significado, e ele já não conseguia imaginar como continuar. As semanas que se seguiram foram extre­mamente difíceis. Jonathan I. mal conseguia suportar a mudança no aspecto das pessoas ("eram o estátuas cinzentas animadas"), tal como não conseguia suportar a sua própria ­aparência quando se via ao espelho: evitava as relações sociais, e as relações sexuais tornaram-se impossíveis. Via a pele das pessoas, a pele da mulher, a sua própria pele, de um cinzento horrendo: a "cor-de­-pele" era agora, para ele, "cor-de-rato". (...) Achava os alimentos repugnantes, com aque­le aspecto acinzentado e morto, e tinha que fe­char os olhos para con­seguir comer. Mas isso não ajudava muito, porque a sua representação mental de um tomate era tão negra como a sua aparência. (...) Assim, incapaz de rectificar mesmo a ima­gem interior, a ideia, de diversos alimentos, Jonathan foi-se virando progressivamente para alimentos brancos e pretos - azeitonas pretas com arroz branco, café preto e iogurte. Estes, pelo menos, tinham um aspecto relativamente normal, enquanto a maior parte dos alimentos tinha agora um aspecto terrivelmente anormal. Deparava-se com dificuldades e angústias de praticamente todos os géneros na sua vida diária (...). A mulher tinha que lhe escolher a roupa, e esta dependência era­-lhe difícil de suportar; mais tarde passou a ter tudo classificado nas gavetas e no armário - peúgas cinzentas aqui, amarelas ali, gravatas identificadas, casacos e fatos devidamente marcados para evitar incon­gruências evidentes e confusões. À mesa tiveram que adoptar práticas e posições fixas e rituais, sem o que ele poderia ser levado a confundir mostarda com maio­nese, ou "ketchup" com compota. (...) Jonathan I. já não conseguia ir a museus ou a galerias, nem ver reproduções a cores dos seus quadros favoritos. (...) Quando pedimos a Jonathan para exami­nar e pintar uma cópia de um espectro colorido, apenas conseguiu ver o preto e o branco e várias sombras de cinzento, e pin­tou o que via. Intrigantemente, a sua per­cepção do espectro não se assemelhava em nada à das pessoas com cegueira das cores provocada por problemas de retina. (...) Foi esta a história que obtivemos de Jona­than I. - a história do colapso abrupto e total da sua visão da cor, e as tentativas que fez para viver num mundo a preto e branco; uma história incompatível com qualquer problema inato ou degenerativo dos olhos, mas indicativo de um súbito desarranjo nas partes do cérebro necessárias à representa­ção interna - o ver - das cores. (...) O interesse científico de todas estas per­turbações cerebrais perceptivas adquiri­das reside no facto de os seus distúrbios nos poderem mostrar como é que o mundo conceptual é construído. Doentes como Jonathan mostram-nos que a cor não é um dado, antes é percepcionada graças a um processo cerebral específico e extraordinariamente complexo. O mesmo se aplica às percepções do movimento, da profundidade e da forma: todas elas nos parecem fazer parte da ordem natural das coisas até vermos pacientes que as perderam, doentes que sofrem de cegueira do movimento, de cegueira da profundidade ou de cegueira da forma (agnosia visual), provocadas por lesões cerebrais altamente específicas.

Oliver Sacks e Robert Wassennan, in Público de 27 de Setembro de 1990

Que conclusões podemos tirar deste texto, relativamente ao conhecimento humano?

2 comentários:

Anónimo disse...

Relativamente a este texto concluimos que o conhecimento humano apenas se baseia naquilo que nós conseguimos ver, atribuimos apenas as caracteristicas que cada um de nós consegue identificar em cada objecto, pessoa, animal, seja o que for....
Jonathan vivia num mundo em que ele não conseguia identificar as cores, apenas vivia "no escuro". Certamente que ele tem uma prespectiva do mundo diferente da nossa.
O conhecimento humano é relativo, para nós pode ser de uma maneira, mas para outra pessoa pode ser da maneira oposto, por diversos motivos.
Renata Ferreira 11ºB

Anónimo disse...

Após analisar este texto é possivel concluir que a realidade não é um conceito fixo, varia de pessoa para pessoa. A nossa realidade é formada através das nossas experiências durante a vida, aquilo que nos ensinam e aquilo que nos proprios descobrimos. Quando Jonathan perdeu a persepção das cores a sua realidade alterou-se, por exemplo, mesmo que ele quisesse fechar os olhos para conseguir comer um tomate era uma tentativa falhada pois a sua imagem mental do alimento era também negra, esta era agora a sua realidade.
A história de Jonathan demonstra o quanto frágil é a nossa realidade, a nossa realidade é determinada pelo nosso cérebro consoante aquilo que vivemos e conhecemos, mas à minima alteração nesta máquina complexa a realidade como nos a conheciamos pode deixar de existir.
Catarina Dias 11ºB

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