21 novembro 2006

A Atitude filosófica no "Cântico Negro"

Pediu-se aos alunos que procurassem diferentes suportes reveladores do espírito filosófico, (sob o ponto de vista da atitude filosófica, das especificidades da filosofia ou outros, no contexto da matéria do Módulo Inicial) e fizessem sobre o(s) mesmo(s) um comentário crítico. O João Pedro e o Jaime, do 10ºA, comentaram o “Cântico Negro, de José Régio.


Cântico negro – José Régio

“Vem por aqui” – dizem alguns
com olhos doces,
estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “Vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços
E nunca vou por ali…

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém!
- Que eu vivo com o mesmo sem vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde me levam meus
próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: “ vem por aqui”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos.
A ir por aí…

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço, não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho de avós,

E vós amais o que é fácil!
Eu amo o longe e a miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
Tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.

Eu tenho a minha loucura!
Levanto-a como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “Vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que soltou.
È uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou;
- Sei que não vou por aí!

1 comentário:

Anónimo disse...

Neste poema está presente a autonomia, atitude crítica, radicalidade e universalidade, embora mais frequentemente a autonomia e a atitude crítica. Ou seja, o facto de se alhear a caminhos já traçados, e, assim definir os seus próprios caminhos.
A autonomia da Filosofia está presente no refrão: “e nunca vou por aí…”. Negando autoridades impostas e exercendo a sua liberdade racional, ou seja, pensar por si; mesmo que daí resulte “escorregar nos caminhos lamacentos, redemoinhar aos ventos como farrapos, arrastar os pés sangrentos”.
O sujeito poético diferencia-se do senso comum porque se distingue dos outros que amam o fácil e que estagnam perante a sabedoria correndo nas veias sangue velho de avós.
A loucura do eu poético também se relaciona com a autonomia da Filosofia face à religião.
Nos últimos versos, Deus e o Diabo significam caminhos distintos; neste caso o bem e o mal.
O sujeito poético não pede definições porque na Filosofia o mais importante é o valor das questões e não o valor das respostas.
Termina o poema com tradicionais questões existenciais: “Não sei por onde vou”; “Não sei para onde vou”, típicas da universalidade. Embora não tenha resposta a estas questões, a única resposta que tem é “…que não vou por aí…” reforçando a autonomia e a atitude crítica.

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