15 fevereiro 2007

A filosofia na Poesia de Manuel Alegre


“Quem somos, donde vimos, para onde vamos?
Há muito já que moro no porquê.
Nada sabemos senão que passamos.
E há sempre um homem que já foi
E há sempre um homem que ainda não é.
É esse que me dói.

Agora sei que nada é fixo: há sempre um por fazer
Há sempre outro partir depois de cada chegar

Agora sei que para saber
É preciso rasgar as mãos … e procurar.”

Manuel Alegre

1 comentário:

Anónimo disse...

Relação da poesia de Manuel Alegre com a Filosofia

A poesia de Manuel Alegre está claramente ligada à Filosofia, visto que a mensagem que esta nos transmite relaciona-se, com o ponto de vista filosófico, e gira em torno da atitude filosófica.
O primeiro verso: “Quem somos, donde vimos, para onde vamos?”, remete-nos para os problemas clássicos da Filosofia (mais especificamente para a Psicologia Racional), que no tempo da antiguidade clássica interrogava a relação Homem /Alma, procurando atingir a verdade: se existe alma, qual a sua essência, de onde veio, para onde vai, em que o filósofo se serve da lógica e da razão para procurar essa tal verdade.
No segundo verso: “Há muito já que moro no porquê” denota-se uma atitude interrogativa por parte do sujeito poético, visto que ao afirmar que “mora” no porquê dá-nos a informação que o seu pensamento se caracteriza por interrogações frequentes sobre tudo o que o rodeia, numa multiplicidade de questões, de porquês de forma a chegar à verdade. Aí se verifica também subjacente uma atitude crítica, porque se para um mesmo problema recorremos a várias questões, chegando a questionar certas verdades já obtidas, também questionamos as primeiras opiniões, só as aceitando se devidamente fundamentadas – atitude crítica.
No 3º verso: “Nada sabemos senão que passamos”, é a mostra de uma certa humildade por parte do sujeito poético, ao afirmar que não possui de facto conhecimento algum e que o que está assente é que chegará um dia que morrerá, valorizando que tudo o resto são suposições e hipóteses. Esta atitude humilde é básica para a atitude filosófica, uma vez que à falta dela poderia acontecer uma de duas coisas: 1) a ser seria conhecedor de tudo, e se já sabe tudo não pode procurar a verdade (exactamente porque já sabe tudo), se bem que essa qualidade de sábio só se compete a Deus; 2) o ser seria cego face ao saber, pensando ter todo o conhecimento, quando porém não passava de um ignorante. Estes dois exemplos dados contrastam com a verdadeira atitude filosófica de manter humildade, pois só com ela é que pudemos ter plena consciência do que desconhecemos e do que necessitamos para vir a atingir a verdade, mantendo sempre o espírito aberto a novas questões.
Nos 3 versos seguintes: “E há sempre um homem que já foi / E há sempre um homem que ainda não é / É esse que me dói”, revela uma certa preocupação, um sofrimento aliás, por parte do sujeito poético em que cada um de nós se desinteresse pela Filosofia. Esse “homem que já foi” indica, metaforicamente, todas as pessoas que como o sujeito poético se interrogam acerca da vida, do seu destino e do seu passado (vai de encontro ao primeiro verso), que tentam pela sua própria razão libertar-se da tirania do hábito (como diria B. Russell), do senso comum, sempre abertos a novas buscas, no sentido de chegar à verdade. Esse “homem que já foi” opõe-se ao “homem que ainda não é”, ou seja, todo aquele que ainda não despertou para a atitude filosófica, todo aquele que ainda vive preso ao dogmatismo, ao obscurantismo, que lhe falta a liberdade proporcionada pela Filosofia para que deixe de lado tudo o que os outros lhe impõem como verdade, para que possa ele procurá-la recorrendo à luz da interrogação, da crítica e da razão. É este segundo homem que causa sofrimento no sujeito poético, que no fundo lhe causa preocupação, visto que ainda não conseguiu encontrar a Filosofia, o que o tornaria mais livre e feliz, e que no conjunto de todos os Homens que se acham nessa condição, tornaria o mundo melhor.
Na próxima estrofe: “Agora sei que nada é fixo: há sempre um por fazer / Há sempre outro partir depois de cada chegar” é um revelar de que na Filosofia nenhuma verdade pode ser tida como certa, que haverão sempre questões levantadas em torno de verdades já chegadas, realçando que nada pode ser considerado como dogma e que quando se chega ao conhecimento de uma determinada questão, logo se levantam uma quantidade quase infinita de questões, os tais “partir” e “chegar”, de forma a evitar que o espírito especulativo cesse, para que se possa cada vez mais chegar à verdade real da coisas.
Por fim, a poesia termina com “Agora sei que para saber / É preciso rasgar as mãos… e procurar”, indica que, para ser possuidor do conhecimento, ou pelo menos se aproximar dele, é necessário um trabalho árduo, sem férias, sem parar para se poder chegar à verdade. Este “rasgar as mãos”, remete-nos por analogia, ao trabalho do campo, em que cada agricultor se esforça para que a terra produza fruto, ou seja, que por muito que se diga e por muito que comente, a Filosofia jamais poderá ser desligada da Vida, porque esta é pensada pelo Homem, por todo o Homem (uns mais e outros menos) e para o Homem – característica da Universalidade da Filosofia.

Nuno Oliveira 10.ºD

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